Texto: Lerdeza
Autor: Luís Fernando Veríssimo
Gênero: Conto
Antes da ler:
-Você já leu, ouviu ou contou uma história? Gosta de contar histórias ou ouvir/ler histórias?
- Já ouviu ou leu alguma do Luís Fernando Veríssimo?
- Ao ouvir o nome do conto (título), você imagina como pode ser a história?
Lerdeza
Luís Fernando Veríssimo
A frase que o Everton mais ouvia da mãe era "levanta e vai buscar", geralmente seguida de um epíteto, como "seu preguiçoso" ou, pior, "lerdeza". Porque o que o Everton mais fazia, atirado no sofá na frente da TV na sua posição de costume (que a mãe chamava de "estrapaxado"), era pedir para lhe trazerem coisas. Uma Coca. Uns salgadinhos...
- Levanta e vai buscar!
- Pô, mãe.
- Lerdeza!
O Everton já estava com quinze anos e era uma luta convencê-lo a sair do sofá e ir fazer o que os garotos de quinze anos fazem. Correr. Jogar bola. Namorar. Ou pelo menos ir buscar sua própria Coca.
- Esse menino um dia ainda vai se fundir com o sofá...
Everton não queria outra coisa. Ser um homem-sofá. Um estofado humano, alimentado sem precisar sair do lugar. E sem tirar os olhos da TV. E como era filho único, e insistente, sempre conseguia que lhe trouxessem o que pedia. Quando não era a mãe, sob protestos ("Toma, lerdeza, mas é a última vez") era Marineide, a empregada de vinte e poucos anos cujo decote era a única coisa que fazia o Everton desviar os olhos da TV, e assim mesmo por poucos segundos.
***
Um dia, estrapaxado no sofá, o Everton se deu conta de que estava sozinho em casa. A mãe tinha saído, o pai estava no trabalho, a Marineide de folga, e ele sem ninguém para lhe trazer uma Coca, uns chips de batata e uns Bis. Levantar-se e ir buscar estava fora de questão.
Fechou os olhos e concentrou-se. Concentrou-se com força. Depois de alguns minutos, ouviu ruídos vindo da cozinha. A geladeira abrindo e fechando. Uma porta de armário abrindo e fechando. Depois silêncio. Quando abriu os olhos, a Coca, os chips e os Bis pairavam no ar, à sua frente. Ele só precisou estender a mão.
No dia seguinte, Everton testou seu poder recém-descoberto na Marineide, que até hoje não sabe como a sua blusa desabotoou sozinha e seu soutien simplesmente voou longe daquele jeito, e logo na frente do menino. Everton também acendeu a TV e mudou de canais sem precisar usar o controle remoto, e fez um vaso voar pela sala só com a força do seu pensamento. Apagou a TV e ficou, atirado no sofá, refletindo sobre o que significava aquilo. Ele era um fenômeno. Tinha um poder único - fazia as coisas acontecerem apenas pela sua vontade. Contaria aos pais, claro. Eles poderiam ganhar dinheiro com seu poder. O pai saberia como. Ele se transformaria numa celebridade. Cientistas do mundo inteiro o procurariam, sua capacidade extraordinária seria usada em benefício da humanidade. No combate ao crime, por exemplo. Nas comunicações. Na medicina a distância.
***
E se aquilo fosse, de alguma forma, um poder religioso? Até onde a revelação do seu dom milagroso seria um sinal de que ele tinha uma missão a cumprir na Terra? Até onde aquilo o levaria? Fosse o que fosse, uma coisa era certa. Ele teria que sair do sofá.
***
- Mãe.
- Ahn?
- Eu quero daquelas coisinhas de queijo. E uma Coca.
- Levanta e vai buscar.
- Pô, mãe.
- Tá bem. Mas esta é a última vez.
E já a caminho da cozinha:
- Lerdeza!
Recontando a história:
Ao lermos a história podemos perceber que, se quisermos, podemos dividi-la em partes, coisas que acontecem, e que fazem a história "progredir".
1 - O narrador (aquele que conta a história) apresenta a personagem principal. Everton é um garoto de 15 que não quer sair do sofá, dependendo de sua mãe e da empregada.
2 - Num dia, quando está sozinho em casa, Everton estava com fome, mas não queria se levantar do sofá. Concentra-se e, de repente, vê as coisas que desejava comer pairarem na sua frente.
3 - No outro dia, Everton testa seu poder e, após testá-lo, reflete sobre as vantagens do seu poder.
4 - Enquanto reflete, Everton chega à conclusão de que seu poder poderia ser um dom de Deus, dado para que ele usasse em prol da humanidade, o que o faria ter que sair do sofá.
5 - Everton decide continuar pedindo as coisas a sua mãe.
Vamos pensar um pouquinho no significado de algumas palavras. Experimente descobrir o que elas querem dizer:
- epíteto;
- estrapaxado;
- pairavam (de "pairar");
- fundir.
Observação: Antes de consultar o dicionário sobre o significado das palavras acima, releia o texto cuidadosamente e tente "adivinhar" o significado das palavras atentando para as outras palavras que estão junto delas e para o que o narrador quer nos contar.
Refletindo um pouco mais sobre o texto:
- Como Everton costumava passar os seus dias? Que trecho do início do texto mostra o que Everton quer para sua vida? Copie-o.
- Por que Everton descobre seus poderes?
- No final da história, o que Everton fez com seus poderes?
Desafio de Linguagem:
Observe os dois parágrafos abaixo:
a. Contaria aos pais, claro. Eles poderiam ganhar dinheiro com seu poder. O pai saberia como. Ele se transformaria numa celebridade.
b. Contaria aos pais, claro. Eles poderiam ganhar dinheiro com seu poder. O pai saberia como ele se transformaria numa celebridade.
1. Em relação à pontuação, o que há de diferente nos dois parágrafos?
2. O que o pai sabe em cada parágrafo?
Pensando sobre as palavras:
Perceba que as palavras terminadas em –oso atribuem qualidades ou defeitos a alguém ou alguma coisa e que se tirarmos o final delas teremos uma palavra que dá nome a algo.
No texto que lemos, encontramos as seguintes palavras terminadas em -oso
preguiçoso à preguiça ("seu preguiçoso");
religioso à religião ("poder religioso");
milagroso à milagre ("dom milagroso").
Observe as palavras abaixo e retire delas o final -oso. Descubra que outras palavras surgem ao retirar este final:
cremoso charmoso gostoso amoroso bondoso saboroso cheiroso
cuidadoso ardoroso doloroso horroroso espantoso maravillhoso misterioso
Nenhum comentário:
Postar um comentário